sábado, 28 de maio de 2011

Mais de mim

Minha vida é cheia de despojo e muita cor. As cores são a forma que eu encontro para representar a variedade de cheiros que o meu contato com um mundo diverso de humanidades me proporciona um universo olfativo impossível de definir em palavras.
É desse mundo muito mais rico que eu alcanço que eu quero falar, porque é neste ponto da história que a enfermagem entra na minha vida, o mundo vira e o que era longe ficou perto. Atirando-me ao desconhecido aos cuidados apenas de conhecimento e de que a humanidade inteira é a minha família.
Hoje, sou mais leve, transparente e muito feliz. E meus olhos brilham quando conto essa experiência. Nos momentos de maior brutalidade se turvam – e depois voltam a brilhar. Não perco a oportunidade de rir e minha voz é sempre suave. E quando eu abraço as pessoas, abraço. É isso. Vale cada linha para mim.
Há coisas sobre as quais nós precisamos pensar... Porque provavelmente alguém, em algum lugar está esperando por você.
Acredito que todo profissional da saúde busque prover cuidado para o outro. Mesmo que não seja ninguém da sua família. Sim, mas qual é o seu conceito de família?
Quando a gente faz o que gosta todo dia é segunda feira de manhã. Não existe sábado, não existe domingo. Você acorda e é segunda – feira, no outro dia é segunda feira de novo, e no outro ainda é segunda – feira, mas olha só, tem de fazer isso, isso e isso. A gente briga muito, discute muito, mas todo mundo tem um foco. O principal foco é cuidar, tem gente que precisa de ajuda, que precisa ser cuidado.
Todo mundo sabe quando faz algo que dá sentido a sua vida... É assim, você está cansado, mas a alma está salva porque você está se sentindo bem com o que está fazendo.
É claro que nem tudo é fácil, as coisas na vida são um pouco duras também. Um pouco não. São muito duras. Mas eu sou otimista demais, nunca acho que as coisas vão dá errado. Eu sempre tenho certeza que vai dá certo. Mesmo quando dá errado é porque está dando certo. Eu não tenho medo do que vou encontrar quando chegar lá. Isso não me inquieta. A urgência é do outro, mas é minha também. Porque uma vez que eu estou lá vivendo a urgência. Eu estou junto. Você vive isso junto com o outro. É uma forma de dizer para o outro que ele não está sozinho. Às vezes só pelo fato de você está no mesmo espaço físico que ele, você está mostrando que é perigoso, mas você também está ali, que funciona que você pode ficar.
A enfermagem também é psicologia. O pedido do paciente é sempre o mesmo. “me ajude a esquecer”. A minha resposta é sempre a mesma: “infelizmente, eu não posso te ajudar a esquecer. Lembrar você vai sempre. O que eu posso fazer é te ajudar a lembrar da dor com menos sofrimento”.
Fico chocada com ouço alguém dizer que não tem nenhuma razão para viver. As pessoas pensam que a dor é permanente, mas não é. Eu sei que o sofrimento existe, mas a gente não pode parar. Para mim, cada dia é um ensinamento diferente. Então, porque não procurar uma vida nova e uma nova razão para viver. Tente se lembrar das coisas que o fazia feliz antes de as coisas ruins acontecerem. Tente se lembrar da ultima vez em que foi feliz. Reinvente uma nova forma de viver.
A vida não é só sofrimento, tem beleza, tem riso, tem desejo. É um negocio impressionante. E deve ser vivida com todos os sentidos, o que você escuta, o que você vê, o que você toca, o que você sente, o que você cheira...
Não é preciso focar muito no que fica, mas no que você está indo buscar. Você tem sempre uma alternativa. Não é a escolha em si que o faz feliz. É o significado que você dá a ela. Às vezes me incomoda não encontrar algumas respostas. Mas sei que o mundo não pára porque eu não as encontrei. O mundo continua. E tudo o que você faz tem reverberação dentro das pessoas... E dentro dos espaços.
Tem uma sensação boa quando alguém liga e diz que precisa de sua ajuda naquele momento. Para mim, parece que esse alguém diz: Suely, você acaba de acertar o bilhete premiado da loteria federal, e você ganhou sozinha. Pode ser a décima vez que eu recebi aquela ligação, mas cada vez que alguém me liga é a primeira, é uma felicidade, uma sensação única. Podia ser qualquer outra pessoa, mas escolheram a mim. Sou eu quem estará indo vivenciar, dividir a experiência com aquela pessoa, naquele momento, em algum lugar. E eu sou a pessoa mais feliz do mundo cada vez que alguém me liga e eu digo que estou indo. O ser humano não é congruente, nem lógico.
Devo tudo isso a minha mãe. Que é uma pessoa libertadora, que nunca me podou. Uma vez, eu escrevi uma carta para ela agradecendo por ter me dado a vida, mas também asas para eu saber que podia voar para qualquer lugar e também raízes para eu saber que podia voltar sempre que precisasse. Além de ser libertadora, ela sempre foi muito confiante nas suas escolhas. Desde pequena eu escuto: “se você acredita que dá para fazer, vá e faça”. Minha mãe sempre dizia e diz até hoje. “Mas o que você acha minha filha, você acha que isso vai dá certo?” e eu sempre acho que vai dá certo. Então, faça, ela diz. Você tem mais coisas dentro de você do que consegue me dizer. Então se acha que dá para fazer, faça. Desde pequena é assim.
Minha família é a minha vida. Eu os levo junto comigo a qualquer lugar, porque eles são um pouco de mim. E eu não tenho como fugir. Eu estou junto comigo o tempo todo. Não me causa dor voltar para casa, me causa felicidade. Quero estar feliz junto com eles. Não tenho grandes planos, nem desejos. Eu vou fazendo coisas que me dão a sensação de está viva, de está feliz.
Faço coisas que me dão a sensação de que ainda brilham os meus olhos. Acho que quando eu olho para alguma coisa que eu sinto... Hummm! Isso não faz meus olhos brilharem. Eu não fico. O que me dá o grande prazer é a sensação de está viva. Eu acho que muita gente no mundo não está viva... Está andando por aí...
Está viva é encontrar as pessoas. Mesmo com tanta falta de humanidade nos lugares por aonde vou. Mas o ser humano é isso: é crueldade, mas também é riqueza; é maldade, mas também é acolhimento do outro. Sabe quando você pensa não ter nada, mas você ainda tem espaço para acolher alguém dentro de você.
Eu gostaria de contar mais detalhes. Mas as pessoas querem ouvir até certo ponto. Eu não tenho direito de forçá-las a um mundo que não querem. Cada um tem a sua escolha. Inclusive a escolha de dizer: “eu quero viver nesse outro mundo”. E a alienação também traz felicidade. Mas eu não escolhi esse lado. Eu escolhi saber, eu escolhi ver.
Ver é uma sensação de ter muita gente dentro de mim. É uma sensação de estar muito plena de historia, de tudo e ter a sensibilidade de que eu não vou mudar o mundo, com toda certeza, mas eu posso mudar o mundo de alguma pessoa durante algum tempo.