quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Carta ao meu Amor: Demasiado amor.

E foram-se os meses. As voltas com as minhas conquistas e os meus problemas. Não reparei na passagem dos dias. Para as pessoas que abusam da minha boa vontade-obrigada, um muito obrigada. E agora? É hora de ter assuntos, uma idéia inteligente costurada nos dias de ausência.

Mas olhando pra fora em busca de novidades noto que os outros também não se tocaram com a andança do tempo. Hoje, liguei a TV à procura de um tema. O apresentador fala da alta da bolsa de valores. Em outro canal alguém fala de sua aversão a problemas, adiante vejo que os erros continuam saindo do mesmo armário, mudou só a prateleira.

Bom, pelo menos toda essa procura serviu pra eu começar a escrever isto. Sabe como eu tenho me sentido ultimamente? É claro que você sabe, afinal nos últimos meses não tenho feito outra coisa senão lhe confessar todo o meu amor, e como o meu corpo compreende o calor do seu corpo dentro de mim e fora de mim também. Sinto-me vagando por um árido deserto. E jamais vou me cansar de lhe declarar isso. Eu recém chegada de um faz de conta, vou preencher estas linhas com o quê? Difícil. A coisa está feia.

E parada. Caiu a esperança na utopia e não há mais discursos consistentes surgindo na linha do horizonte. Estou descrente, e me sentindo derrotada pela falta de tudo, mas principalmente pela falta de você. O que fazer então? Escrever apenas liberta meus pensamentos. Você consegue me encontrar no que lê? Você ainda não consegue me ver, não é mesmo? Não sei cobrar o que é meu de direito. Às vezes aceito qualquer proposta aparentemente salvadora porque quem propõe parece saber mais do que eu.

Os desencontros só produzem egoísmo e descaso. Interesso-me pelo que não interessa. Quero as coisas apenas pra mim, quero errado, e quero pra já. Normal. O que aconteceu com o amigo? Algum dia ele foi amigo? Ele existiu? Parece que se foi na virada das páginas. Se der tempo, porque não perguntar a um vendaval aonde deixa as folhas secas. Será possível? E ninguém vai gritar. Quando vai cair a última gota para mobilizar o seu eu silencioso, aquele que não sai nas colunas sociais, mas que pensa e propõe soluções? Como parar de nadar contra a correnteza e não se opor ao sentimentalismo incondicional?

Verdade que se o problema é real, ele não é só seu (só é sua a falta de qualquer reação a essa triste realidade). Infelizmente o amor se banalizou piorando de vez a relação entre amigos e criando indivíduos que não sabem ouvir. Indivíduos infelizes. Alguns vêem o eu te amo como um simplório gesto de carinho, mas não pra mim. Não mesmo. Nunca minhas palavras serão ditas como um gesto simplório. Aceita-me!

Há uma relação muito estreita entre bem-estar e estar junto, quanto mais se quer menos se tem, por que ficar se comparando com o vizinho, que tolice. Então na atual trama das aparências que mexe o meu mundo, o medo precisa sair de férias. Que tal tentar enxergar nas pessoas o seu lado bom, ao invés de ver nelas uma ameaça, e se ligar a isso. Quem sabe estarás mais contente e menos isolado. Reconstruir a teia é um largo caminho. Paciência. O amor que fica é o mesmo. As lembranças são as mesmas. E tudo o que eu escrevo pra você é o que eu penso e o que eu sinto.

Crie a sua filha com mais dedicação, e tente ser mais gentil comigo, se for mais eficaz em seu trabalho, se tiver atitudes que nasçam da bondade e não da busca por uma recompensa. Estarás fazendo a sua parte por este doente terminal que é a sociedade em que a gente vive. Isso parece papo de avô e talvez seja. Mas quem sabe o vovô já não soubesse das coisas lá nos idos do passado? E quem garante que o vovô não é a única luz de sabedoria nesse túnel de mesquinhez?

Ontem fui a Igreja, ao convite de uma amiga, a única. E enquanto o padre celebrava o seu sermão, e filosofava sobre o amor, pensava eu nas possibilidades de como tudo isso terminaria, e no silêncio daquelas filosóficas palavras bíblicas, comecei a filosofar também.

O Amor, pra mim, é como uma bênção da Igreja para as pessoas que acreditam nela. Para mim ele é a luz da misericórdia. Jamais abro a minha porta atrás de mim sem a consciência de estar praticando um ato piedoso para comigo mesma. Principalmente quando de resto nossas vidas estão expostas a uma ferida aberta. Nada me desarma tanto quanto as suas atitudes de receptividade.

É tão relativamente pouco o que as palavras podem fazer em relação a falta que eu sinto de você. Tão relativamente pouco o que as palavras podem fazer em relação a seja lá o que for. Mas que outra coisa tenho eu?

A lamúria é um vírus, uma doença mortal, infecciosa, epidêmica. Não quero ouvir lamurias. Não de você. Você entende? O tempo que passamos juntos é tão pouco, não dá pra perdermos o pouco tempo que temos com lamúrias. Não é descaso meu para com você, não se trata de desinteresse meu por seus problemas, nem pela sua vida. E a isso tudo você chama de egoísmo meu. E diz que me odeia por eu não entendê-lo. Não quero compactuar com essas orgias de mesquinhez emocional as quais você sempre tenta provocar em mim.

Quando eu corria à noitinha, ficava olhando o pôr-do-sol, que levava tanto tempo para se pôr, para que nós seres absurdamente cegos nos deslumbrasse com aquela infinita difusão de cores. Como se afinal o sol na hora de ir embora encontrasse tantas qualidades no mundo que a hora o fazia partir a contragosto. E pensava também nas suas lamúrias, que se iam embora junto com o último feixe de luz.

Quando aquele apresentador falou sobre a alta da bolsa de valores, lembrei do apaixonar-se por ser uma coisa altamente supervalorizada. Apaixonar-se consiste em quarenta e cinco por cento de medo de não ser aceito e quarenta e cinco pro cento de esperança maníaca de que justamente desta vez esse medo seja desautorizado- e finalmente de modestos dez por cento de frágil sentimento de que exista a possibilidade de amor. Por isso não nos apaixonamos com tanta freqüência. É uma constatação. Primeiro amei você, amor de amigo, terno e paciente. Depois me apaixonei, paixão carnal, dessas que não acontecem todo dia. Comigo as coisas têm uma tendência a acontecer ao contrário. Não existe uma condição pra amar. Você ama e pronto, sem esperar nada em troca.

Tenho observado você com muita tranqüilidade. E compreendi algumas verdades, a verdade não precisa ser um colapso, ela pode muito bem assumir a forma de uma sólida passagem para o não ressentimento. Sabia que você blefa maravilhosamente. Prefiro mil vezes sentar e esperar calmamente você começar a verborragiar as suas verdades, do que andar no meio de todas as suas mentiras medíocres.

Não há ser humano que não fique aliviado quando alguém o obriga a falar a verdade. Eu gosto da verdade. Eu gosto do que é verdadeiro em você. De sua essência.

Gostaria tanto de não ter essa mentalidade tão medíocre quanto as suas mentiras. Mas não tenho, mas não tenho. Tenho um jeito luminoso de perceber as coisas pelo lado inusitado, do tipo que torna tudo óbvio, mas só depois de apontado por mim. Às vezes também é delicado a ponto de a gente ter que virar a página com cuidado para não perturbar o momento. Sim, eu poderia ser uma personagem, e você também por que não? Somos uma linda história e passar a sua imaginação pra longe de nossas repetitivas circunstâncias não fará mal algum.

Eu amo você, Meu Amor.


Suely Carvalho

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