quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Parte II

A gente se conheceu e foi épico. Desde o começo, desprezo e exaspero seguidos de pausas silenciosas, quebradas por sussurros de desejos.
Eu poderia ter sido pra você aquela amiga legal, que fica pelos cantos comendo migalhas, fingindo aceitar as suas queixas, mas não, eu escolhi ser eu mesma. Ainda que eu me arriscasse a perdê-lo. Tudo o que eu fiz pra você foi repleto de dignidade. Tudo o que eu fiz pra você foi pensando em te fazer feliz. Você não é só meu amigo, você é o homem da minha vida. Você é a minha vida. E eu quero a minha vida de volta.
Ontem à noite, eu pensei em você, e chorei um choro genuíno, não o fiz propositalmente, chorei porque o processo pelo qual me tornei mulher foi um processo doloroso. Chorei por não ser mais criança. Chorei porque os meus olhos se abriram para esta realidade - para o seu egoísmo, para o seu amor por outra pessoa, para minha criatividade insaciável que não se preocupa com outra e consegue ser suficiente a si mesma. Chorei porque não posso mais acreditar e, adoro acreditar. Chorei porque daqui por diante chorarei menos. Chorei porque senti minha dor e ainda não estou acostumada à presença dela.
Contudo, só posso agradecê-lo. Porque graças a você, não estou sendo esmagada e não perdi a fé em mim.
Naquele dia infeliz, o último em nos falamos grosseiramente e por um canal impessoal, a dor ki eu senti foi tão grande. Uma parte de mim foi arrancada a solavancos. Foi a segunda maior dor que eu já senti.
Mas esse nó de dor sufocante desapareceu. Aceitei que a esperança cedesse à realidade. E aceitei isso racionalmente, não porque precisava aceitar, mas para seguir em frente.
Portanto, não me odeie. Não me despreze. Não me maltrate. Não me chantageie. Não me agrida. Não me machuque mais. Não mais. Você não tem motivos para isso.
Eu estou confessando tudo isso a você.
Eu jamais vou abandoná-lo, porque você me inspira para o bem e, para os meus sentidos. Você não está sozinho. Eu estou aqui bem pertinho de você, do seu lado.
Tenho pensado em você em momentos em que nenhuma mulher sã e normal deveria pensar.
O amor para mim é muito coerente, quando eu amo, eu amo pra sempre. Eu não estava blefando quando disse que o amaria até eu ficar velhinha, velhinha e a vida, enfim, me separasse de você. Parece um discurso romântico, mas não é. É real, e é para você. Não tenha medo dele, nem sinta escárnio dele, da mesma forma que eu
não tenho medo de sentir o amor que eu sinto por você. Porque eu amo de verdade. Eu não tenho medo do que você representa pra mim, porque você é um homem bom. E eu quero receber de você tudo o que você tem de melhor. Eu mereço isso.
Palavras e datas tem muito significado pra mim. Por isso achei desnecessário esperar o natal, o aniversário ou outra data seja ela qual for para fazer um balanço e falar o que é verdadeiramente essencial de mim para você.
Espero do fundo do meu coração que essas palavras não o tenham machucado, porque não foram pensadas para feri-lo. Mas sim para acariciá-lo com a ponta dos dedos. Foram escritas a fim de nos dá uma chance. Elas são como uma mão que alcança-e não um pé que esmaga. Porque a mão que alcança exige mais coragem, afinal, alcançar é sempre um risco-e esmagar tem um final previsível.
O dia de hoje é uma experiência radical de nascimento. A gente, no fundo, tem medo de nascer, pois nascer e saber-se vivo - e, como tal, estar exposto à morte. Superei esse medo quando lembrei a singularidade do seu olhar que é só seu. Percebi que você está em extinção, só existe uma pessoa igual a vc no mundo, vc mesmo. Percebi, também, com essa lembrança que amá-lo representa essa singularidade. E para alcançá-la em sua integridade, precisaria de muita coragem. Teria de resistir ao conforto de uma vida de lugar-comum. Que eu me sinto pronta para viver.
Não o tenho mais perto de mim e, por isso as minhas letras são mortas. São palavras que nasceram luminosas e morreram pela repetição, já que a morte de uma palavra é o seu esvaziamento de sentido. Agarrei-me aos lugares comuns. E matei-os um pouco a cada dia, matei a expressão de você, para mim, no mundo.
Tentei me apegar ao mundo das frases feitas, para não deixar que os meus sentimentos novos sobre você não saíssem de lá. Mas as frases feitas são apenas cascas de palavras-, não ameaçam a linguagem de ninguém - nem o funcionamento do todo - com as palavras mais subversivas e ameaçadoras para este mundo: as próprias.
Quando transformo meus pensamentos íntimos em palavras para você, tenho sempre a possibilidade de nascer. E se renuncio ao nascimento, ao trocar a possibilidade de lhe dizer o que sinto através de palavras, pelo silêncio, ao mundo das frases feitas, aceito a morte antes de viver.
Fiquei pensando nisso e, pareceu-me que os lugares – comuns vão muito além das palavras. A gente pode transformar nossa vida inteira. Não basta apenas pensar em você antes de escrever, na tentativa de criar algo seu – antes de repetir a vida de outros.
Do mesmo modo que é muito fácil botar no mundo o primeiro chavão, que para alguns, vem à cabeça; também é mais fácil – e mais aceito- porque a maioria vai vivendo e repetindo velhas vidas que aparentemente já deram certo e não incomodam ninguém. Não é ruim ou errado, não se trata disso. Porque não vivermos a vida que nos transforma desde sempre em alguém em extinção. Aquela que busca a singularidade do que é nosso. Aquela sujeita ao erro, ao imprevisto, ao descontrole. Ao novo.
Eu não estou tentando arrancar nada de ninguém. Apenas pergunto, suavemente: é bom ficar perto de mim? É boa a difícil alegria que cada centímetro do meu corpo se dispõe a proporcioná-lo em seu mais extraordinário sentido?
Amá-lo é fascinante. É consumir-se. É queimar os carvões do tempo que me constitui. É um garimpo que com incessante coragem eu permito que o gosto do seu ouro possa fulgir em meus lábios. Assim a minha vida não tem garantias. Tem vida.
Procurei-o de novo. Não pela convicção de um não, mas em busca de um possível sim. Porque eu precisava interromper o fluxo inexorável rumo a uma vida feita de uma sucessão de frases feitas.
Que encrenca boa essa minha procura por você representa.
Meu coração se apertou de amor pela grandeza de tê-lo de volta diante do parapeito do mundo
Isso tudo é um convite para tomarmos um vinho e falarmos sobre a vida. Mas um vinho que não dê dor de cabeça no dia seguinte.
A minha inquietação segue latejando, às vezes doendo muito – e me carregando para vários lugares, sempre usando qualquer pretexto para buscá-lo: uma palavra, um livro, um filme, uma pessoa, um esquecimento, uma solidão.
Qualquer pedaço de madeira em que eu possa me agarrar para não morrer afogada pelos meus comportamentos, para que a minha ânsia de vida me leve sempre a viver. Com todos os ganhos, perdas, dores, fomes que fazem parte da minha vida não escrita.
Eu não quero mais fazer parte da sua vida como um ser reduzido a um personagem a si mesmo, ainda que eu seja um bom personagem.
Foi até aqui que o meu delírio me trouxe, para ficar mais perto de você. Para poder nascer. E me descobrir viva. Radicalmente viva.

Aguardo ansiosamente a revisão do nosso encontro.

Suely Carvalho.

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